cartas indifferentes. Irritada, abri as commodas, espalhei as roupas, procurei nos bahus, nas malas, nos bolsos, ergui o travesseiro. Tremia, arquejava. Era uma busca inquisitorial, frenetica, desesperada, infame!
— Luis, disse eu baixo, Luis, tens vinte libras. Tens cincoenta.
— Mas, minha senhora...
— Este senhor onde tem as suas cartas? Tens cem libras. Dou-te tudo, estupido... Onde tem elle as cartas, elle?
— Oh minha senhora! disse o creado, com uma voz lamentavel, eu não sei.
— Não tens visto? Não tem uma secretária, uma papeleira, uma carteira?...
— Tem. Tem uma carteira de marroquim. Tral-a comsigo. Anda cheia de cartas...Levou-a decerto. Nunca a deixa.
Sahi, desci a escada, correndo, fugindo d’aquelle desastre, d’aquella vergonha, d’aquellas confidencias. Atirei-me para o fundo da carruagem.
— A casa! gritei.
Tinha fechado os stores; soluçava, sem soluçar[2].
— Betty! Betty! clamei logo no corredor.
Ella appareceu, correndo.
— Betty, disse eu, vivamente, fechando a porta do quarto. Dize-me: aquella agua com opio não faz mal?
— Porque? sente-se doente?
— Não. Estou bem. Não faz mal?
— Nenhum.
— Juras?
— Juro. Mas...
— Jura sobre estes santos Evangelhos.
— Oh, senhora! Mas porque? Juro. Mas porque?
— Tens opio? Dá-m’o.
— Quer dormir?
— Não.
Ella então olhou-me, fez-se extremamente pallida:
— Mas, senhora condessa, que quer isto dizer?
— Dá-m’o. Dá-m’o, Betty. Pensas que me quero matar?
Ella calou-se.
— Oh, doida! disse eu, rindo. Se me quizesse matar não t’o pedia. Mas sou feliz... Passaram-se outras cousas, vês tu? Não t’as digo, mas sou feliz. Sabes o que é? É que me vou logo encontrar com elle.
E com a voz mais baixa, como envergonhada: