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— Engana-se. É precisamente como medico, é n’essa qualidade que aqui está e é por esse titulo que viemos busca-lo de surpresa á estrada de Cintra e o levamos a occultas a prestar auxílio a uma pessoa que precisa d’elle.

— Mas eu não faço clinica.

— É o mesmo. Não exerce essa profissão; tanto melhor para o nosso caso: não prejudica os seus doentes abandonando-os por algumas horas para nos seguir n’esta aventura. Mas é formado em Paris e publicou mesmo uma these de cirurgia que despertou a attenção e mereceu o elogio da faculdade. Queira fazer de conta que vae assistir a um parto.

O meu amigo F... poz-se a rir e observou:

— Mas eu que não tenho curso medico nem these alguma de que me accuse na minha vida, não quererão dizer-me o que vou fazer?

— Quer saber o motivo porque se encontra aqui?... Eu lh’o digo.

N’este momento porém a carruagem parou repentinamente e os nossos companheiros sobresaltados ergueram-se.

III

 

Percebi que saltava da almofada o nosso cocheiro. Ouvi abrir successivamente as duas lanternas e raspar um phosphoro na roda. Senti depois estalir a mola que comprime a portinha que se fecha depois de accender as velas, e rangerem nos anneis dos cachimbos os pés das lanternas como se as estivessem endireitando.

Não comprehendí logo a razão porque nos tivessemos detido para similhante fim, quando não tinha caído a noite e íamos por bom caminho.

Isto porém explica-se por um requinte de precaução. A pessoa que nos servia de cocheiro não quereria parar em logar onde houvesse gente. Se tivessemos de atravessar uma povoação, as luzes que principiassem a accender-se e que nós veriamos atravez da cortina ou das fendas dos stores, poderiam dar-nos alguma idéa do sitio em que nos achassemos. Por esta fórma esse meio de investigação desapparecia. Ao passarmos entre predios ou muros mais altos, a projecção da luz forte das lanternas sobre as paredes e a reflexão