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Pelo amor de Deus, doutor, veja esse homem. Quem tem? Está morto? Está adormecido com algum narcotico?

Dizia estas palavras com uma voz tão instante, tão dolorosamente interrogativa que eu, dominado pelo imprevisto d’aquella situação, approximei-me do cadaver, e examinei-o.

Estava deitado n’uma chaise-longue, com a cabeça pousada n’uma almofada, as pernas ligeiramente cruzadas, um dos braços curvado descançando no peito, o outro pendente e a mão inerte assente sobre o chão. Não tinha golpe, contusão, ferimento, ou extravasamento de sangue; não tinha signaes de congestão, nem vestigios de estrangulação. A expressão da physionomia não denotava soffrimento, contracção ou dôr. Os olhos cerrados frouxamente, eram como n’um somno leve. Estava frio e livido.

Não quero aqui fazer a historia do que encontrei no cadaver. Seria embaraçar esta narração concisa com explicações scientificas. Mesmo sem exames detidos, e sem os elementos de apreciação que só podem fornecer a analyse ou a autopsia, pareceu-me que aquelle homem estava sob a influencia já mortal de um narcotico, que não era tempo de dominar.

— Que bebeu elle? perguntei, com uma curiosidade exclusivamente medica.

Não pensava então em crime nem na mysteriosa aventura que ali me prendia; queria só ter uma historia progressiva dos factos que tinham determinado a narcotisação.

Um dos mascarados mostrou-me um copo que estava ao pé da chaise-longue sobre uma cadeira de estofo.

— Não sei, disse elle, talvez aquillo.

O que havia no copo era evidentemente opio.

— Este homem está morto, disse eu.

— Morto! repetiu um d’elles, tremendo.

Ergui as palpebras do cadaver, os olhos tinham uma dilatação fixa, horrivel.

Eu fitei-os então um por um e disse-lhes serenamente:

— Ignoro o motivo porque vim aqui; como medico d’um doente sou inutil; como testemunha posso ser perigoso.

Um dos mascarados veiu para mim e com a voz insinuante, e grave:

— Escute, crê em sua consciencia que esse homem esteja morto?

— De certo.

— E qual pensa que fosse a causa da morte?