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dois frascos esguios de violetas de Parma. Ao canto da alcova estava uma bengala grossa com estoque.

Na disposição dos objectos na sala não havia nenhuma particularidade significativa. O exame d’ella dava na verdade a persuasão de que se estava n’uma casa raramente habitada, visitada a espaços apenas, sendo um logar de entrevistas, e não um interior regular.

A casaca e o collete do morto estavam sobre uma cadeira; um dos sapatos via-se no chão, ao pé da chaise-longue; o chapeu achava-se sobre o tapete, a um canto, como arremessado. O paletot estava caido ao pé da cama.

Procuraram-se todos os bolsos dos vestidos do morto: não se encontrou carteira, nem bilhetes, nem papel algum. Na algibeira do collete estava o relogio, de ouro encobrado, sem firma, e uma pequena bolsa de malha d’ouro, com dinheiro miudo. Não se lhe encontrou lenço. Não se pôde averiguar em que tivesse sido trazido de fóra o opio; não appareceu frasco, garrafa, nem papel ou caixa em que tivesse estado, em liquido ou em pó; e foi a primeira difficuldade que no meu espírito se apresentou contra o suicidio.

Perguntei se não havia na casa outros quartos que communicassem com aquelle aposento e que devessemos visitar.

— Há, disse o mascarado, mas este predio tem duas entradas e duas escadas. Ora aquella porta, que communica com os demais quartos, encontrámol-a fechada pelo outro lado quando chegámos aqui. Logo este homem não saiu d’esta sala depois que subiu da rua e antes de morrer ou de ser morto.

Como tinha então trazido o opio? Ainda quando o tivesse já no quarto, o frasco, ou qualquer envolucro que contivesse o narcotico devia apparecer. Não era natural que tivesse sido aniquilado. O copo em que ficara o resto da agua opiada, alli estava. Um indicio mais grave parecia destruir a hypothese do suicidio: não se encontrou a gravata do morto. Não era natural que elle a tivesse tirado, que a tivesse destruido ou lançado fóra. Não era tambem racional que tendo vindo áquelle quarto, esmeradamente vestido como para uma visita cerimoniosa, não trouxesse gravata. Alguem pois tinha estado n’aquella casa, ou pouco antes da morte ou ao tempo d’ella. Era essa pessoa que tinha para qualquer fim tomado a gravata do morto.

Ora a presença de alguem n’aquelle quarto, coincidindo com a estada do supposto suicidado ali, tirava a possibilidade ao suicidio e dava presumpções ao crime.