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espaçadas por pausas eguaes ás d’aquellas com que eu primeiro lhe despertára a attenção. Lembrou-me que poderia ser mação aquelle homem, e que nas circumstancias em que eu estava me serviria a protecção que lhe pedisse em nome de juramentos reciprocos e de compromissos communs. Dei-lhe então uma letra, elle respondeu-me com outra e assim construimos successivamente a palavra da senha.

Salut, mon frêre! exclamou elle.

— Segredo! disse-lhe eu baixinho, respondendo com os nós dos dedos no muro ao sinal que me déra.

Fechei em seguida o armario, cheguei a cama para o logar d’onde a tinha removido, e deitei-me vestido.

Não podia dormir. Principiei a pensar e a entristecer.

N’esta casa, debaixo d’estes mesmos tectos, está morto um homem, moço, elegante e bello, que entrára aqui, cheio talvez de esperanças, d’alegrias, de projectos no futuro, e que de repente caiu para todo o sempre, envenenado por mão mysteriosa, ignorado, desconhecido, só, longe de uma mulher amada que o espera talvez a esta hora, longe da familia que o acarinhou em pequeno, longe dos logares saudosos que o viram nascer, da mãe lacrimosa que lhe cerrasse os olhos, do pae angustiado que em nome da humanidade lhe lançasse a derradeira benção.

Desventurado rapaz! quem sabe as torturas por que passou o teu espírito para se desprender violentamente da terra, deixando na sociedade o seu corpo inerte, impassivel, mudo como a interrogação de um enigma posto anonymamente no meio de uma pagina branca? quem sabe os pensamentos que a morte immobilisou no teu cerebro? quem sabe os affectos que ella enregelou no teu coração, onde ha pouco tempo ainda golphava abundantemente a fecunda seiva d’essa mocidade esterilisada e extincta agora para sempre?

Pobre moço! tão digno de lastima como és, merecedor talvez de profundas saudades, ahi estás adormecido no teu somno eterno, vestido de baile, coberto com uma manta de viagem, estirado n’um sophá, insensivel para sempre ás alegrias e ás amarguras d’esta vida miseravel; e não haverá por ventura uma só lagrima que commemore, na historia breve da tua passagem na terra, este praso tão pungentemente melancolico em que os mortos estão esperando dos vivos o derradeiro e supremo favor que a humanidade póde dispensar áquelles que mais présa e que mais ama: a doação da cova em que reside o esquecimento!

Os olhos d’aquelles que te amam ainda não choram por ti. Estão fechados talvez pelo somno tranquillo e doce, atravessado em sonhos