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inesperada. Ria, queria correr, tinha verve, e uma luz bailava-lhe nos olhos.

Fomos sentar-nos no jardim de Gibraltar. Os senhores inglezes artilharam-no talvez um pouco de mais. Não ha fontes, mas ha estatuas de generaes; as pyramides de balas estão encobertas pelas moitas de rosas, e a estupida impassibilidade dos canhões assenta sob arbustos de magnolias. Mas que serenidade! Que silencio abstracto e divino! Que ar immortal! Parece que as cousas, os seres vegetaes, a terra, a luz, tudo está parado, absorto n’uma contemplação, suspenso, escutando, respirando sem rumor! Em baixo está o Mediterraneo, liso como um setim, delicado, coberto de luz. Mais longe vaporisadas, docemente esbatidas nas nevoas azues, as duras fórmas do monte Atlas. Nada se move: apenas ás vezes uma pomba passa, voando com uma serenidade ineffavel. Um momento veiu-nos de baixo, onde passava um regimento de Highlanders, o som das cornemuses que tocavam as arias melancolicas das montanhas da Escocia. E os sons chegavam-nos doces, ethereos, como se fossem habitantes sonoros do ar.

A condessa tinha ficado sentada, e immovel, calada, penetrada d’aquella admiravel serenidade das cousas, da beleza da luz, do somno da agua, dos vivos aromas.

— Não é verdade, disse, que dá vontade de morrer aqui, brandamente, só...

— Só? perguntei eu.

Ella sorriu, com os olhos perdidos na bella decoração do horisonte luminoso.

— Só... disse ella, não!

— Ah! minha rica prima, cuidado! cuidado! observei eu. Começa-se scismando assim vagamente, vem um pequeno sonho bem innocente, acampa no nosso coração, começa, a caval-o, e depois, querida prima, e depois...

— E depois vae-se jantar, disse o conde que tinha chegado ao pé de nós, radiante por ter apertado a mão de um coronel inglez, e colhido um cacto vermelho.

Descemos ao hotel. Á noite passeavamos no Martillo. Era a hora de recolher; uma fanfarra ingleza tocava uma melopéa melancolica. Ouviu-se no mar um tiro de peça.

— Chegou o paquete da India, disse o nosso guia. E no alto do morro um canhão respondeu com um echo cheio e poderoso.

— Desembarcam, no dia em que chegam, os passageiros? perguntei.

— Os militares quasi sempre, senhor. Vão desembarcar lá em baixo, com licença do governador.