CAPITULO V
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dida extrema da proclamação libertadora de 1.º de Janeiro de 1863, cuja vestimenta humanitaria encobria a represalia das auctoridades federaes contra a insurreição.

Bolivar era pessoalmente mais idealista do que Lincoln. De antemão perfilhava qualquer idéa generosa; seu espirito nutrira-se de illusões egualitarias e de devaneios metaphysicos que não prejudicavam o seu senso agudo das realidades politicas. Não teria comtudo provavelmente denunciado a propriedade escrava si os grandes proprietarios de terras não fossem em bom numero hespanhoes e portanto partidarios devotados da mãe patria. Ainda assim durou ella em Venezuela até 1849, quando Monagas lhe deu o ultimo golpe, que no Brazil só veio em 1888, mercê do caracter quasi pacifico da sua seccessão e das cautelas que exigia a organização economicamente agricola de uma nacionalidade cujas exportações consistiam em productos tropicaes que requeriam o braço robusto do negro africano e do mulato da terra, dadas a extincção gradual do elemento indigena e a insufficiencia do factor portuguez em quem o commercio exercia muito maior, senão exclusivo appelo.

Coube assim ao Brazil o inglorio fado de continuar a ser no decorrer do seculo XIX um dos paizes americanos de trabalho alimentado pelo trafico — de direito até 1831, de facto até 1851 e mesmo depois. O espectaculo frequente dos navios negreiros não commovia uma população que, havia trez seculos, se habituara a presenciar o desembarque da mercadoria humana com a indifferença testemunhada para o de qualquer outra. Pode-se no emtanto bem imaginar o que devia ser a repetição dessas scenas nefandas. Um dos maiores oradores brazileiros, Ruy Barbosa, as descrevia na Camara dos Deputados sob as seguintes patheticas côres: «Si Dante Alighieri tivesse vivido no seculo XVIII, collocaria o vertice dos soffrimentos inexprimiveis, o circulo infimo do seu Inferno no porão de uma embarcação negreira, n'um desses nucleos de supplicios infindos que apenas poderia descrever a poesia sinistra da loucura; n'uma dessas gemonias fluctuantes, ninhos de abutres humanos