CAPITULO V
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si tivesse estado presente, as coisas não se teriam talvez passado de igual modo.

Elle não acreditava, como apregoava Joaquim Nabuco, que se houvesse por tal preço cimentado a união do throno e do povo. Melhores videntes julgavam ao contrario compromettida seriamente essa união. Está na memoria publica a oração memoravel de Cotegipe no Senado, annunciando por palavras pouco veladas a republica proxima que Ruy Barbosa deixava adivinhar, quando ponderava que a Corôa sacrificara ingenuamente seus interesses, mas que afinal não mais fizera do que «abrir os olhos á luz meridiana e deixar de chicanar com os factos consummados».

A reforma estava de facto decidida desde que a realeza se ligara á propaganda abolicionista, no dizer do senador Paulino, para quem se buscava tão sómente emprestar um simulacro de legalidade a uma medida cuja concepção e cujo alcance eram francamente subversivos. Sabendo que a Princeza Regente aguardava impaciente no Paço da Cidade o autographo da lei, para assignal-a, o chefe conservador que se blasonava de representar «a junta do couce», encurtara seu discurso no Senado para, na sua phrase, «não fazer esperar uma senhora de tão alta linhagem». Regente e povo estavam febris. Nunca se vira nem se tornará a ver no Brazil expansão igual de enthusiasmo. Foi um delirio. Multidões, embriagadas de alegria, invadiram o recinto da Camara e do Senado. Por toda a parte ouviam-se musicas, resoavam vivas, estalavam foguetes, pronunciavam-se discursos, cantava-se e dançava-se ao ar livre. Na verdade era uma victoria da opinião, de todos quantos tinham collaborado com fervor identico e com identico fito: os fazendeiros que tinham reconhecido a necessidade da reforma; os que tinham alforriado em massa suas escravarias e introduzido o braço livre; os officiaes que se tinham recusado a perseguir os negros fugidos das plantações; as auctoridades que se esquivavam a dar apoio aos senhores queixosos; o povo que protegia os escravos e vaiava os senhores, reclamando a lei de Christo...