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O IMPERIO BRAZILEIRO

A guerra do Paraguay, longa e attribulada, com revezes a entremear-lhe as victorias, estimulou muito o espirito de caserna e creou no Brazil tanto o typo do grognard da comedia, isto é, do veterano resmungão, como o do miles gloriosus da comedia classica. Ao regressarem do Prata os regimentos triumphantes, parece que o governo do Rio de Janeiro receava da sua parte qualquer accesso de febre militarista ao contagio das acclamações populares. Preoccupava-o especialmente a volta dos voluntarios e imaginou despil-a de toda pompa, fragmentando as unidades, dissimulando os estandartes, abafando as musicas. Foi o commandante em chefe, conde d'Eu, quem protestou e ameaçou resignar seu cargo si se insistisse no que elle denominava n'uma carta particular ao visconde de Lage[1] «uma traição para com seus companheiros d'armas». O conde d'Eu reconhecia que a situação politica do paiz exigia algumas precauções e que era prudente evitar uma grande agglomeração desses militares sahidos da lucta armada, devendo proceder-se a um rapido desarmamento e licenciamento, que aliás não se lhe afigurava difficil. Ajuntava que não enxergava «entre elles espirito algum politico, mesmo porque não tinham quasi chefes». Os officiaes pareciam-lhe, com raras excepções, incapazes de designios subversivos, nutridos, no seu dizer, «por alguns homens perdidos que primeiro endossaram a farda por especulação, e que agora a arrastam, maldizendo-a e consolando-se das suas obrigações pelo jogo e outros vicios».

O governo, porem, não deixava de ter certa razão, e tanto assim que aquelles que prégavam a Republica, reorganizando o velho partido, dirigiram-se em primeiro lugar aos militares, que eram os unicos a dispôr de força para deitar abaixo o regimen. O Imperador, apezar de ter accudido a Uruguayana de espada e poncho, estava muito longe de ser um chefe marcial e não tinha interesse pelos assumptos bellicos. Exaggerava-se, porem, este paizanismo e até contava-se, para intrigal-o com o

  1. Carta de 12 de Janeiro de 1870, que me foi mostrada pelo Dr. Sebastião de Carvalho, filho do visconde de Lage.