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II
ESTYLO

As nossas fabulas constam de duas partes: enrêdo e epimythio 1 (ἐπιμύθιον) ou moralidade. O enrêdo é em parte narrativo, em parte dialogado.

Em geral o estylo é muito simples e familiar; os dialogos muito naturaes. Ha algumas fabulas até de admiravel singeleza, por ex. xi, xxviii, xxxi. A fab. xxix é notavelmente elegante.

Como particularidade do estylo do autor notarei o costume de coordenar asyndeticamente ora dois adjectivos, ora dois substantivos: astrosa fedente, xxiii, 33; falsa ribalda, ix, 14; maa maliciosa (alem d’isso synonymos e allitterados), xxv, 7; doutor poeta e sabedor poeta, passim. Outra expressão adjectiva synonyma, mas syndetica: debille e fraco, xxxvii, 13. Nos verbos: esguardou e vio, xl, 17; rrazoar e fallar, xxxii, 6; fallou e disse, passim[1].

Não são raras as antitheses: assy aos estranhos, como aos amigos, ca nuytas vezes de pequeno serviço rreçebe o homem boo gualardom, xix, 22 (moralid.); varios exs. nos dialogos da fab. xxiii.

  1. Nos nossos textos antigos são muito frequentes as expressões synonymas, já por hábito ou mero pleonasmo, já porque uma d’ellas era nova, e ficava a velha para a explicar melhor, ou vice-versa, já porque uma era popular e outra literaria, já finalmente porque havia certas differenças de sentido (em verdade poucas serão no uso da lingoa as expressões absolutamente synonymas entre si; ha quasi sempre alguma differença). Por ex.: quite e livre, a cada passo na lingoagem da chancelaria; emmendar e correger, sec. xv (Archivo Hist. Port., i, 199); «chegado em dívodo e parentesco a nós», sec. xv (ib., i, 442); autos e apostos, sec. xiv (Iffante Josaphat, p. 6); manda e testamento, sec. xv (collegiada de S. Estevão de Valença, na T. do Tombo), e em lat. barbaro manda et testamentum (Rev. de Guim., vi, 75); proes e percalços, sec. xvii (allitteração; Archivo Hist. Port., i, 117); gulla e gargantuyce, sec. xv (allitter.; Leal Cons., c. l, p. 286); estuigar e apressar (ib., c. lxxxvi, p. 411, numa trad. da Vita Christi); aaras e altares, sec. xvi (Esmeraldo, 2.ª ed., p. 151); teve e ouve, sec. xv (Hist. de Vespasiano, 2.ª ed., p. 45); respondeo e dixe (ib., p. 43); falloulhe e disse, sec. xiv (Cornu, Anciens Textes, p. 32). Nas demais lingoas romanicas succede o mesmo; cfr. Wilmotte, L’évolution du roman français, Paris 1903, p. 46, nota 1, onde, a outro proposito, cita muitos exs. do sec. xii, em poetas. Corrente é tambem em francês antigo a expressão ver ou printemps: cfr. Cl. Merlo, I nomi romanzi delle stagioni, Torim 1904, p. 41, nota.