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Fica assim manifesto que o prologo do nosso Fabulario não é totalmente extrahido do Liber de Burley; este foi apenas lá citado. A procedencia do resto da obra me referirei quando tratar do estudo litterario das fabulas. — L. 2) Çiro rrey de Persia. A menção de Cyro vem no Fabulario apenas como indicação de data (560-529 a. C.), e não porque se estabeleça connexão entre elle e Esopo. É com Creso, rei da Lydia (560-546 a. C.), que a lenda antiga relaciona Esopo. Em todo o caso a epoca é a mesma, o sec. VI antes da nossa era. Cfr. tambem A. Croiset, Hist. de la littérat. grecque, II (1890), 466-467. — L. 3) Exopo Adelpho. Sem duvida Adelpho é aqui sobrenome de Esopo. No citado livro de Burley lê-se tambem: «Esopus Adelphus poeta claruit tempore Ciri»; e na traducção hespanhola: «Esopo Adelfo poeta clarescio ea tienpo de Ciro». No entanto Knust viu-se certamente embaraçado com esta palavra, porque a escreveu com letra minuscula, e entre virgulas: «Esopus, adelphus, poeta..», ao que corresponde na traducção hespanhola «Esopo, adelfo, poeta ..», — embora ella, assim escrita, só pudesse representar o grego ἀδελφός; «irmão», o que não faz sentido nenhum. D’onde veio porém a Esopo nas obras citadas e no nosso Fabulario o sobrenome de Adelpho, se em nenhuma das antigas biographias do fabulista[1] apparece tal sobrenome? É o que vou dizer em poucas palavras[2]. Uma das fontes dos fabularios medievaes foi a collecção latina attribuida a Romulus, que no sec. XIII se encontra representada no Speculum historiale de Vicente Bellovacense ou de Beauvais[3]. As fabulae Romuleae do Bellovacense são precedidas de uma biographia de Esopo em que se lê: «Anno regni Cyri primo Hesopus a Delphis interimitur»[4]. A lenda, segundo a qual os Delphos ou Delphicos mataram Esopo, precipitando-o da rocha Hyampia, é contada por Plutarcho (sec. I-II da e. c.)[5]; e a ella já allude Herodoto (sec. V a. C.)[6]. Sem poder, nem me ser necessario, verificar agora se foi precisamente no texto do Bellovacense, tal como fica transcrito, ou noutro ana-

  1. Cfr. Savérien, Histoire des philosophes anciens, vol. I (1773), p. 143 sgs.
  2. Este assunto foi já brevemente tratado por mim na Revista Pedagogica, I, 389-390.
  3. Digo Bellovacense, pois que Beauvais vem de Bellovaci. Num livro português, intutulado Centinela contra Judeos, de Pedro Lobo Correia, pp. 210 e 211 (ed. de 1710), lê-se «Vicente Belvacense».
  4. Vid. Hervieux, Les fabulistes latins, t. II, 2.ª ed. (1894), p.234.
  5. Vid. De sera numinis vindicta, XII.
  6. Vid. Hist., II, 134.