Página:O livro de Esopo fabulario português medieval.pdf/141

Consultando varios fabularios medievaes, acho tambem nelles alguma cousa que concorda com isto. O Romulus vulgaris, para me servir da expressão de Hervieux, diz: «Romulus Tyberino filio. De civitate attica esopus quidam homo grecus»[1]. Vicente Bellovacense diz: «Romulus . . ita scribens: De ciuitate Attica Hesopus quidam»[2]. O Romulus Nilantius tem: «Esopus, quidam grecus .. de ciuitate Attica»[3]. Finalmente, no Romulus Florentinus lê-se: «Romulus filio suo Tyberi[n]o de ciuitate attica. Esopus quidam homo grecus»[4]. Comprehende-se agora que o autor do nosso Fabulario tomasse, no manuscrito de que se servia, a palavra Attica, i. é, attica ou atica, por abreviatura de Amtiochia = Antiochia, i. é, ãti.ca, pois são as mesmas letras, só com a differença do til, que muitas vezes escapa na escrita, e que tambem aqui podia ser considerado abreviatura de outro t. Esta confusão proveio, ou de elle saber que Esopo era Phrygio, e haver na Phrygia uma cidade chamada Antiochia (embora, que me conste, nenhum biographo antigo, repito, a julgasse patria de Esopo), ou, o que me parece mais provavel, de se lembrar da célebre Antiochia, capital da Syria. Curioso é notar que, se Antiochia provém de se ler erroneamente a palavra Attica, esta, na obra citada, provém tambem de um erro de interpetação. Todas as phrases que transcrevi se relacionam com uma especie de epistola-prologo que a Tyberino dirigiu seu pae Romulo; como mostra a ultima phrase que transcrevi, a expressão de ciuitate Attica, em virtude da pontuação adaptada, não se refere a Esopo, e sim a um dos nomes antecedentes, significando segundo a luminosa explicação de Gaston Paris, não que Romulo ou Tyberino eram naturaes de uma cidade attica, mas que era de Athenas, civitas Attica por excellencia, que Romulo escrevia a Tyberino[5]: nos differentes manuscritos, porém, por má pontuação, fez-se da cidade Attica a patria de Esopo, e essa ideia passou para os fabularios e para o Liber de Burley, d’onde tambem o autor do nosso Fabulario a tomou, interpretando-a ainda peor[6]. — L. 5-6) latino.

  1. Vid. L. Hervieux, Les fabulistes latins, t. II, 2.ª ed., Paris 1894, p. 195.
  2. Idem, ibid., p. 234.
  3. Idem, ibid., p. 513.
  4. Idem, ibid., p. 474.
  5. Vid. G. Paris no Journal des savants, 1884, p. 678, nota 2; e Hervieux, Les fabulistes. I (2.ª ed.), 302.
  6. Mesmo assim interpretou-a com mais logica do que o traductor hespanhol, pois este, no ms. escurialense, tem «cibdad de Atica», considerando-a substantivo e não adjectivo, como realmente é.