Página:O livro de Esopo fabulario português medieval.pdf/148

Fab. xxxi. — Deve entender-se que o gaviam que figura nesta fabula é femea, pois na l. 10 se lhe chama madre. Como se sabe, o nome gaviam (hoje gavião) é epiceno. — L. 8) choraua de coraçom. Cfr. em provençal: s’eu chan de boca, de cor plor, — apud Zs. f. roman. Philologie, xxix, 339, n.º 3.

Fab. xxxii.L. 6) Prazer-m’-ia de me rrazoar. Creio que me é dativo ethico, e não complemento directo, que é cousas na phrase seguinte.

Fab. xxxiv.L. 12-26. Nas palavras senhor, alcayde, terra, temos referencias ás instituições sociaes da idade-media. Vid. Vocabulario. — L. 29) tanto é complemento directo de dizer. — L. 43) Ssalamam diz: ffemina nula bona, etc. Salomão era muito lido por este tempo, como o mostra, por ex., o Leal Conselheiro, onde elle é citado varias vezes. Todavia aqui a phrase latina não lhe pertence, embora Salomão condemne as mulheres: Liber proverb., v, 5-8. Esta frase constitue um verso dactylico hexametro:

Femina nulla bona, quia ter mutatur in hora


da fórmula ; só devemos acceitar que o ă de bona, por estar na cesura, foi contado como ā. O verso, de mais a mais, é leonino, pois bona rima com hora (assonancia); os versos leoninos, como se sabe, tinham muita voga na idade-media. A ideia expressa no 2.º hemistichio está contida naquillo de Vergilio, Eneida, iv, 569-570: varium et mutabile semper femina; a mesma ideia se encontra em adagios portugueses, hespanhoes e franceses:

Molher, vento e ventura
Asinha se muda…[1].

Mujer, viento y ventura
Pronto se mudan…[2].

Femme est un cochet à vent
Qui se change et mue souvent[3].

Com o primeiro hemistichio do verso latino da nossa fabula cfr. o que diz D. Duarte no Leal Conselheiro, p. 252, fallando das

  1. Adagios Portugueses de Delicado, Lisboa 1651, p. 138.
  2. Refranes de H. Nuñez, Madrid 1619, fl. 73 v.
  3. Proverbio francês em um ms. do sec. xiii, apud Roux de Lincy, Proverbes français, ii, 490.