Página:O livro de Esopo fabulario português medieval.pdf/163

A essa concordancia absoluta da collecção portuguesa com a latina, no numero e nos assuntos das fabulas, juntam-se outras. A comparação que no prologo d-0 Livro de Esopo se faz d’este com um pomar ajardinado, e com os frutos de casca dura, encontra-se tambem em Walter, e é-lhe especial, pois não vem no Romulo ordinario: Ortulus iste parit fructum cum flore; nucleum celat arida testa[1] bonum. Na fab. XLIV lê-se Arguu, a que corresponde em Walter, fab. 58, Argus; esta palavra tambem não vem no Romulo vulgar (I, XIX), e é especial a Walter.

Mas, apesar de tamanhas coincidencias, é O livro de Esopo traducção pura e simples do Fabulario gualteriano?

Da comparação que estabeleci, uma a uma, das fabulas portuguesas com as latinas, apurei o seguinte.

De modo geral, póde dizer-se que as nossas fabulas estão para com as de Walter na relação, ora de parafrase, ora de simplificação, ora de imitação, e raramente na de versão litteral. A concisão, por vezes sêca e quasi enigmatica, do original corresponde o nosso texto aqui e alem com mais claro e amplo desenvolvimento. Por ex., a fab. 9.ª de Walter, que é apenas narrativa, é n-O livro de Esopo artisticamente dialogada. Tambem succede que no português apparcce mudada de quando em quando a ordem das ideias do fabulario latino, como na fab. XVI. Os trocadilhos e ambiguidades do poeta inglês estão por vezes vertidos com elegancia na compilação portuguesa; aquelle tem na fab. 30.ª:


Non ero securus, dum sit tibi tanta securis[2];


neste, fab. LIX, diz-se: «ja com tiguo nom viueria ssegura». Pelo contrário um verso, como este de Walter, fab. 59.ª,


Regis concilium consiliumque sedet,


reprodu-lo fielmente o texto português, fab. XLV: [o rei] «ouue consselho com sseus comsselheyros». — Os epimythios ou moralidades

  1. Aqui arida testa está no sentido de «casca», o que se deduz da ordem das ideias expressas antes. O Ysopet I de Paris assim o entendeu (Robert, Fables inédites, II, 448): Sus saiche cruse est bonne noiz, onde saiche cruse quer dizer «casca sêca». E tambem o Ysopet de Lião (Förster, Der Lyoner Yzopet, p. 1): . . con la cruise qu’est soiche ǀǀ Lo bon noeillon danz soi quoiche, «como a casca que está sêca esconde em si o bom grão». E o Ysopo ystoriado hespanhol (Sevilha 1533, fol XVI-r): «como la cáscara seca cubre muchas vezes el meollo».
  2. securis aqui «machadinha».