Página:O livro de Esopo fabulario português medieval.pdf/167

Na fab. XXXIV a viuva chora a morte do marido em uma ermida onde elle fôra sepultado. Em Walter, fab. 48.ª, falta a menção da ermida, e pelo contrário o A. dá a entender que a sepultura era ao ar livre, pois que diz que, entre outras circunstancias, a saraiva não podia afastar de lá a mulher: nequit hac de sede reuelli grandine. No mais os dois textos são semelhantes; só na compilação portuguesa se adaptaram os termos latinos aos usos nacionaes, traduzindo-se eques por «alcaide», e rex por «senhor».

Na fab. XLVIII é curiosa a coincidencia que se nota entre a frase ca este villãao quer fazer d’aqueste linho rredes e laços pera nos tomar e esta do exemplo 6.º do Libro de Patronio de D. Juan Manuel (sec. XIV): podrian facer redes et lazos para tomar las aves; no mais a fabula e o exemplo não concordam.

Na fab. LX entra um cabram, ao passo que em Walter, fab. 31.ª, entra uma ovis. No português falla-se de um moyo de trijguo, o que corresponde ao modium tritici do Romulo vulgar, II, 12. Em Walter a tal expressão corresponde vas tritici.

D’esta breve discussão se vê que o nosso texto mantem com o latino, a par de concordancias flagrantes, tambem algumas differenças ponderaveis. Notarei ainda outras particularidades d-O Livro de Esopo, quanto á fórma.

Cada fabula começa ahi invariavelmente por uma d’estas expressões, com pequenas variantes: [c]onta-se que, [f]oy hũa vez, [p]om este doutor (poeta, etc.) enxemplo e diz, [e]m este enxemplo o poeta diz, [c]onta este poeta enxemplo, [d]iz que foy, [e]m aquesta estoria. Os epimythios ou moralidades começam tambem por fórmulas estereotypadas, como: per aquesta hestoria, em aquesta estoria, per este enxemplo, pom este poeta este enxemplo, diz este poeta per este enxemplo, conta-nos o poeta, e semelhantes. Em Walter não acontece isto, porque ahi as fabulas são apresentadas como lições dadas pelo proprio autor dos versos latinos. Já no commentario á fabula XVIII, p. 129, me referi ao pom; aqui accrescentarei que as demais formulas são vulgares noutros textos. Em fabulas italianas lêem-se as seguintes, particularmente semelhantes ás nossas: iniciaes das fabulas, chonta l’assemplo, chonta l’Isopo, dice che, pone l’autore, una volta; iniciaes dos epimythios, dimostra l’autore sotto questa favola, per questo assempro, e outras[1]. Nas fabulas de Marie de France: ci dit, c’est essamples, par ceste fable[2].

  1. Peabody Brush, The Isopo Laurenziano já cit., passim.
  2. Die Fabeln já cit., passim.