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A essas e analogas allusões ás fabulas esopicas, e a um ou outro apologo intercalado em obras de caracter geral, se limita o que a antiga litteratura portuguesa nos deixou sobre o assunto[1]. É preciso chegarmos ao comêço do sec. XVII para encontrarmos um fabulario completo[2]; d’ahi em deante ha mais, que todavia não importa agora ao meu assunto especificar.

  1. Com relação ao sec XV, cita a Sr.ª D. Carolina Michaëlis de Vasconcellos, na sua Geschichte der portugiesischen Litterattur (no Grundriss der roman. Philol., II-b), p. 229, entre as obras que então se liam em Portugal, como provenientes da França, o Isop (não sei onde ella colheu esta noticia; talvez em algum passo de escritor antigo). Com relação ao sec. XVI, lê-se isto, por exemplo, em João de Barros: «.. segues a ignorancia do cão do fabulador», Ropica Pnefma, ed. de 1869, p. 112; «o povo ch[r]ristão foy como a gralha de Isopo fabulador, vestiu-se das penas de todalas fermosas aves: mas o pavam, vendo que o precedia em fermosura, ouvelhe enveja, e fez com as aves que cada hũa pedisse sua pena, por ficar em pior estado», Ropica Pnefma, p. 185-186; «outros, como Isopo, querendo chegar a cousas materiaes e fameliares a nós, composeram fabulas», Dialogo com dous filhos, ed. de 1869, p. 314. Foi a Sr.ª D. Carolina Michaëlis de Vasconcellos que me chamou a attenção para estes tres passos. — A mesma illustre Senhora, na sua ed. das Obras de Sá de Miranda, Halle 1885, a proposito de uma fabula d’este, allude a Diogo Bernardes: ob. cit., p. 772. — Cfr. tambem Jorge Ferreira, Eufrosina, ed. de 1786, p. 14. — Num raro opusculo, Collecção de algumas fabulas em verso e prosa, Coimbra 1823, que possuo por dádiva do meu erudito amigo o dr. Sousa Viterbo, transcrevem-se trechos de Sá de Miranda, etc.: vid. o que Sousa Viterbo escreveu sobre o assunto n-A Tradição, V, 130-132, onde reproduz alem d’isso um trecho de Fernão López (fabula da raposa e do corvo). — Da fabula da bilha de azeite, que vem em Gil Vicente, tratou o Dr. Vasconcellos Abreu no seu opusculo Os contos, apologos e fabulas da India, Lisboa 1902. — Nenhuma das fabulas referidas tem porém nada com O Livro de Esopo. — Vê-se do que fica dito que as fabulas esopicas eram muito apreciadas pelos nossos quinhentistas. Este aprêço manifestava-se mesmo fóra do ambito da litteratura, no da arte propriamente dita. Nas misericordias, ou pequenos apoios, do côro da igreja de Santa Cruz de Coimbra, o esculptor figurou «facecias anecdoticas», algumas tiradas das fabulas de Esopo»: vid. Arte e Natureza em Portugal, n.º 28; e cfr. o cit. artigo de Sousa Viterbo (n-A Tradição). O distincto artista o Sr. A. Gonçalves informou-me de que entre as anecdotas figuradas no côro de Santa Cruz está a fabula da raposa e da cegonha (os dois episodios) e a da raposa e das uvas. Incidentemente notarei que o gôsto de representar fabulas esopicas em obras de arte ascende já á antiguidade classica.
  2. Vida e fabulas do insigne fabulador grego Esopo, por Manoel Mendes, da Vidigueira, Evora 1603. Cfr. Dicc. Bibl. de Innocencio da Silva, VI, 59. — Esta obra nada tem tambem com O Livro de Esopo (nem com o Ysopete hespanhol de 1489, reproduzido em edd. posteriores, como se disse a p. 98 e 106). — Espero publicar ulteriormente, o que não faço agora aqui em appendice, por falta de tempo, uma nota sobre o fabulario de Manoel Mendes.