[C]omta-sse que o lobo bebia hũa vez em hũu rribeyro, da parte de çima, e o cordeyro bebia em aquell medês rribeiro, da parte de fumdo. Disse o lobo ao cordeyro:
— Porque me luxas a augua e dapnas este rribeyro?
E o cordeyto rrespomdeo e disse homildosamemte:
— Eu nom te faço emjuria, nem luxo o rrio, porque a augua corre comtra mym, e a augua he muy clara; e pero sse a quisese aboluer, nom poderia.
Outra vez o llobo braada forte e diz:
— Nom te auonda que tu me fazes emjuria e dapno, e ajmda me ameaças?
E o cordeyro outra vez homildosamente rrespondeo:
— Nom te ameaço, /[Fl. 2-v.] mais eu me escuso com boa rrazom.
E o lobo respomdeo outra vez:
— Ajmda me ameaças? Já ssemelhauyll[1] jmjuria me fezeste tu e teu padre, ssom já bem sseis meses.
O cordeyro disse:
— Ó ladrom, eu nom ey tanto tempo!
E o llobo jroso disse:
— Oo maao rrapaz, ajmda ousas de falar?
E foy-sse a ell e matou-ho e come’-o[2].
Em aquesta hestoria rreprehemde este autor os ssoberbosos e os arrogamtes homẽes do mumdo, os quaaes comtra os homildosos jgnoçemtes sse esforçam de buscar cajom comtra rrazom, por que ssem rrazom [os] possam offemder e fazer-lhe maas obras. E pollo lobo sse entende[m][3] os arroguantes e maaos homẽes, e pollo cordeyro os homildosos e ignoçemtes. E como este lobo mata este cordeyro ssem rrazom, assy ho maao homem faz mall ao boo ssem lh’o mereçer.
[Fl. 3-r.][C]omta-sse que hũu rrato, amdando ssen caminho pera emderençar sseus neguoçios, ueo arriba de hũa augua, a quall ell nom podia passar. E estando assy cuydoso arriba da augua, veo a ell hũa rrãa e disse-lhe:
— Sse te prouuer, eu te ajudarey a passar esta augua.
- ↑ No ms. semelhaũl; na fab. XXXIV por extenso estauyll.
- ↑ =comeo-o. No ms, comeo. Podia tambem transcrever-se comeo-, e semelhantemente as palavras analogas que apparecem adeante.
- ↑ Esta palavra no texto vem em fim de linha, e por isso, segundo a regra das nasaes (vid. Introducção), devia ter ẽ, mas o til não se percebe; só adeante, e em cima, ha um ponto.