Página:O livro de Esopo fabulario português medieval.pdf/29

FABULARIO PORTUGUÊS
17

— Deus te ssalue, senhor porco. Compre-te de mym algũu seruiço? Eu prestes ssoom pera vosso mamdado.

E o porco rreçebeo as doçes palauras por emjuria, e ameaçamdo com a cabeça, disse:

— Quem[1] es tu, vilãao, que ás tamta audaçia que me ssaudas? Se nom fosse porque[2] nom quero luxar o meu fremoso demte na tua vil /[Fl. 8-v.] persoa, eu te adubaria como tu mereçes!

E o asno, ouuindo estas palauras, partio-sse com gram temor.




Em aquesta hestoria ho autor nos emsina que nos nom deuemos de assanhar d’algũa cousa que nos sseia dicta por bem e por folgamça. E ajmda nos emsina mais que, sse nos algem ssauda, que nos nom assanhemos[3], postoque a persoa proue sseja, e que nom despreçemos os proues, porque dho[4] rrico ao proue ha gram comparaçom: ca ho rrico muytas vezes escarneçe ao proue, e nom dá graças a Deus da merçẽ que lhe Deus fez.


XII. [O rato da cidade e o da aldeia]

[C]omta-sse que hũa vez hũu rrato que moraua em hũa çidade, amdando a hũa aldea omde moraua outro rrato sseu amiguo, quamdo este rrato da çidade chegou aa aldea omde moraua, este rrato sseu amigo ouue com elle gramde prazer, e dey-lhe a comer fauas e trijguo e er/[Fl. 9-r.]uanços[5] com outros mamjares.

E depois que assaz comerom, o rrato da çidade deu muytas graças ao rrato da aldea, de quamta cortesia lhe fezera, e rrogou-lhe que viesse aa çidade[6] com elle aa casa omde moraua, que aly lhe emtemdya de dar muytas delicadas higuarias. Tamto o rrogou, que o dicto rrato sse ueo com ell aa çidade.

E leuou-ho a hũa cozinha omde elle moraua, na qual avia muytas gallinhas[7] e carne de porco, com outros boos comeres; e rrogou-lhe que comesse aa sua vomtade. E estamdo elles assy comendo sseguros a sseu talamte, chegou o cozinheiro[8] e abrio[9] a porta da co-

  1. A seguir está es riscado.
  2. No ms. repete-se porque por engano.
  3. Parte d’esta palavra está sobre lettras riscadas de despreçemos.
  4. =do. Primeiramente escreveu-se ho; depois d por cima, á esquerda.
  5. A pagina começa por E eruanços, apesar de na antecedente já estar e er-.
  6. No ms. cidade.
  7. No ms. gªs.
  8. No texto por lapso conhozinheyro (cf. cozinheyro infra). Infl. de conhocer e do nh seguinte.
  9. Depois de abrio ha uma lettra riscada.