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FABULARIO PORTUGUÊS

Per este emxemplo o doutor nos amostra que nos nom aleuantemos mays alto que o que nos compre, porque aquelles que em alto querem ssobir, mays que o que lhes compre, muitas vezes caem em terra e nom sse podem leuamtar. E diz que o cayr he cousa ligeyra, mays o leuamtar he mays graue. E cada hũu deue estar comtente da merçee que lhe Deus faz, e nos nom deuemos de tremeter das cousas que nos podem tornar em vergonça e dapno, como fez o coruo.


XXII. [O azemel, a mosca e a mula]

[Fl. 15-v.][P]om este poeta exemplo e diz que hũu azemell fazia correr hũa mua. E hũa mosca mordia esta mua e dizia-lhe:

— Corre ligeiramente, astrosa, ca eu ssom aquella que te punguo e faço nojo comtra tua võotade.

A mua lhe respondeo cortesamente:

— Tu falas altamente, como sse tu fosses muy poderosa! Ca eu nom temo ty, mays temo este azemell que me atormenta e faz em mym quanto mall quer.




Per este emxemplo o doutor nos amoesta e diz que o homem de vill comdiçom nom ha audaçia de falar comtra o poderoso. E esto proçede de vileza de coraçom, ca o coraçom uill he aquell que faz homem sseer pera pouco.


XXIII. [A formiga e a mosca]

[Fl. 16-r.][P]om este poeta emxemplo, e diz que a mosca achou hũa[1] formigua, e conpeçou[2]-ha a desonrrar de maas palauras, dizendo:

— Tu, formiga mizquinha, ssempre moras nas couas da terra, e eu moro[3] nas nobres moradas omde me praz; tu nom comes ssenom trijguo, e eu como uiandas nobres, e como nas mesas dos rreis e dos senhores; tu bebes augua na terra, e eu bebo com taças e copas d’ouro preçiosas; tu andas com os pees na lama, e eu amdo pellos rrostros dos rreys e dos senhores, e como e bebo na camara dos rreys e dos ssenhores: e rreynhas e domzellas nom sse podem de mym defemder, pero que, quando he meu talante, no sseu rrostro alimpo[4] os meus pees. Mas como ja te disse, tu es estrosa cousa: pero guarda-te de my d’aqui adiante em[5] nom participar comiguo.

  1. No ms. hua.
  2. No ms. conpecou
  3. No ms. mora.
  4. No ms. alimpa.
  5. No ms. e, por .