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FABULARIO PORTUGUÊS
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A formigua escuytou muy bem, e depois que a mosca disse sseu sermom, lhe rrespondeo com palauras escatimosas e disse:

— Tu, mosca uelha, ca me dizes que eu moro nas couas da terra, assy he uerdade como tu dizes: mais eu te diguo que as tuas velhacas allas numca ham rrepouso; e eu me comtento de pouco trijgo, e tu nom te comtentas de muitas[1] cousas; ha[2] minha pequena coua sse alegra comiguo, mas as casas dos rreis e ssenhores sse anojam /[Fl. 16-v.] comtiguo; eu me comtento mays do meu grão que tu nom te comtentas das rriquezas dos rreis; e o trijguo que eu como, guanço-o per meu trabalho, e tu furtas o que comes; eu como o meu trijguo em paz, tu comes o teu com temor; eu como o meu trijguo limpamente, e tu comes o teu lixosamente; eu nom faço nojo a nhũa persoa, mais toda jemte sse anoja comtiguo; da minha viuemda todos tomam boo emxemplo, e tu dás de ty enxemplo lixosso e maao; tu deseias viuer per[3] comer, e eu deseio comer por[4] viuer; nhũa persoa nom dá a mym molesta, mas toda gemte te lamça de ssy com nojo que de ty ham; tu cuidas ssenpre no comer, e por ello perdes a uida, e quando cuydas beber boo uinho, bebes a peçonha e a morte, e sse as tuas aas nom ssom bem prestes pera fugir quando o abanador te dá, leixas-te cayr morta, e sse per auentura scapas o uerãao, do jmverno nom podes escapar que nom mouras. E por tanto está muda, astrosa fedemte, ca te nom compre muyto fallar.




Per este emxemplo este poeta nos dá ensinamento que nos guardemos de dizer palauras enjuriosas a nhũa persoa, porque sse o homem diz a alguem palauras enjuriosas, comvem que palauras enjuriosas rreçeba; e as palauras emjuriosas fazem o homem mudar do boo emtemdimento; /[Fl. 17-r.] e das maas palauras proçedem mortes d’omẽes, e das maas palauras proçedem arroidos, batalhas e outros muytos males.


XXIV. [O lobo que accusa a raposa perante o bogio]

[P]om este poeta emxemplo e diz que o lobo acusou a rraposa d’auamte o bogio: que lhe deuia muytos dinheiros[5]. A rraposa sse escusaua quanto podia. Veemdo o bogio a escusa da rraposa, conhoçeo que o lobo a demamdaua e acusaua ssem rrazom, e disse ao lobo:

— Tu demandas o que nom deues comtra rrazom, e tu mereçes pena.

  1. No ms. estava poucas que foi riscado, escrevendo-se por cima muitas.
  2. =a.
  3. No ms. pr, com p cortado.
  4. No ms. assim por extenso.
  5. No ms. está em breve: drrºs, com rr (por jr?)