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FABULARIO PORTUGUES
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XXVI. [A rã e o boi]

[Fl. 18-v.][P]om emxemplo este doutor e diz que hũu boy, amdamdo a beber, pose o pee em çima de hũu filho d’hũa rrãa. E a rrãa, veendo esto, assanhou-sse muyto: conpeçou-sse muyto fortemente de jmchar, e queria-sse fazer tam grande como era o boy, pera sse matar com ell.

O filho lhe disse:

— Madre, nom faças[1], ca tu es muy pequena cousa a rrespeyto d’este boy.

A rrãa, polo gram pesar que auia, outra vez muyto mays conpeçou de jmchar. O filho a rreprehemdia, dizemdo:

— Madre, nom te esforçes de te jmchar tanto, ca poderias arrebemtar; e ajmda que te jnches quanto poderes, nunca serás tamanha como o boy.

A terceira vez a rrãa sse jmchou tamto, que arrebemtou pollo uemtre e morreo.




Pom este poeta emxemplo e diz que o homem que he pequeno e de pequena comdiçom nom se deue d’esforçar e querer sseer gramde em fectos[2] e em palauras, mays deue tenperar o sseu coraçom, ssegundo sseu estado rrequere. E a pequena força nom sse deue comtestar com a grande: e sse o faz, he mingua de emtemdimemto. Por a quall rrazom boos homẽes[3] caem em grandes vergonças e dapnos.


XXVII. [O leão e o pastor que lhe tira do pé uma espinha]

[Fl. 19-r.][P]om emxemplo este doutor e diz que, amdamdo hũu lleom sseu camynho, entrou-lhe hũa espinha no pee; e este liom, amdando muy tribulado com esta espinha pella mata, encontrou-sse com hũu pastor que guardaua guaado. Ho pastor ouue gram medo quando vyo o lleom, e tomou hũu carneiro e pose-o d’auante o lleom: ho lleom nom lh’o quys tomar, e mostraua-lhe ho pee omde tijnha a espinha, e rrogaua ao pastor que lh’a tirasse. E o pastor tomou hũa ssouella, e tirou-lhe a espinha e muyto uurmo que ja trazia. Ho leom lanbia a mãao a este pastor.

Depoys que o lleam sse ssentio ssãao, ssenpre o acompanhou; e quando avia talamte de comer, amdaua a caçar das alimarias aa ssilua; e como auia sseu mantijmento, tornaua-sse ao pastor. Em tall guysa

  1. I. é: nom faças esto.
  2. Com a abreviatura do costume.
  3. No ms. homees.