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FABULARIO PORTUGUÊS
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quasy morto. Entrementes que o[1] leom assy jazia, o cauallo fugio pera casa de sseu senhor, e o leom acordou e achou-sse escarnido.




Per este emxemplo o ssabedor poeta nos amostra que nos [nom][2] devemos fazer aquelles que nom ssomos, mas deuemos[3] dizer a verdade, quem nós ssomos, porque em dizemdo a uerdade o homem nom póde sser rreprehendido, e dizendo a mentira póde auer vergonça e maa fama.


XXIX. [O asno e o cavallo loução]

[Fl. 20-v.][E]m este emxenplo o poeta diz, dando a nós enxemplo, e comta que hũu asno andaua per hũu camynho estreyto carreguado, e encontrou com hũu cavallo muy fremoso, o quall andaua louçãao, porque trazia muy fremoso freo, ssella, rretramcas e peytorall.

O asno disse ao caualo:

— Senhor, Deus te mantenha!

O caualo com grande ssoberba conpeçou a dizer muyta vilania ao asno, dizendo:

— Ó astroso uilãao, como ás tu tanto ardir de fallar e de te parares no camynho per omde ey-d’amdar? Tu cada dia carretas vinho e lenha e outras cousas lixosas em çima dos teus lonbos, e trazes albarda: e eu trago o meu senhor honrradamente em çima de mym, e traguo sella dourada, freo, rretrancas[4] muy preçadas. Eu te diguo que, sse nom ffosse que eu nom quero em ty luxar os meus couçes, que eu te faria que /[Fl. 21-r.] nunca ouuesses ardimento de fallar a tam nobre cauallo como eu ssom! Vay, e nom te ueja eu mays passar per omde eu esteuer!

Ho asno nom ousaua de falar, e partio-sse com vergonça. D’aly a pouco tempo o caualo emagreçeo, e o sseu senhor o meteo aa carreta; e pello grande afam que o cauallo duraua, veo a sseer muy magro. E hũu dia aquell asno o encontrou no camynho e conhoçeo-ho muy bem e disse-lhe:

— Ó caualo, rrogo-te que me digas omde he a tua ssella e o teu fremoso guarnimento? Tu ssoyas sseer muy guordo! Ora te uejo muy magro!

  1. Aqui está riscada a palavra cauallo.
  2. Falta evidentemente nom, que escapou por causa da vizinhança de nos, que começa pelas mesmas lettras. O sentido é: «não devemos fingir que somos quem na realidade não somos».
  3. No ms. dizemos ( por influencia do dizer seguinte), com z emendado em v, e plica no i.
  4. Aqui ha uma lettra riscada.