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FABULARIO PORTUGUÊS
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XXXIX. [O machado e o bosque]

[C]omta o poeta este enxemplo pera[1] nos amostrar, e diz que hũu machado nom auia manguo, e foy-sse a hũu mato e cortês memte[2] lhe rrogou que lhe desse hũu paao pera hũu mango: /[Fl. 28B-r.] ho mato lh’o deu de boa mente[3].

Ho vilaão, depoys que pos o manguo ao machado, tornou aa mata e compeçou a talhar das aruores quanto lhe prazia; e fazia-lhe muyto dapno. A mata sse anojaua muyto e dizia:

— Ay mizquynha! ca eu ssom culpada d’este dapno que me este machado faz, ca sse lhe eu nom dera o manguo, ell nom avia poder de me fazer o dapno que me faz! Bem empreguado sseja em mym, ca eu fuy cajom de meu mall e dapno que rreçebo!




Per este emxemplo este doutor nos amostra e diz que nós nom deuemos dar ajuda nem comsselho aos nossos emijgos, porque quanto nossos jmijgos forem mays fortes, tamto averam mayor audaçia ssobre o sseu jmijguo, e dando-lhe ajuda e comsselho, ell medês he cajom de ssua morte ou desonhorra[4].


XL. [O lobo e o cão nedio]

[Fl. 28B-v.][P]om o poeta este emxemplo por noso amoestramento, e diz que andando hũu lobo sseu camynho, encontrou com hũu cam. Ho lobo ho ssaudou e mostrou-lhe boo ssenbramte, e disse que queria ser sseu companheyro. O cam disse que lhe prazia d’elo muyto.

Andando anbos de companha, o lobo compeçou de olhar o cam, e disse-lhe:

— Como tu estás guordo e fremoso?!

Ho cam lhe rrespondeo:

— Porque de noute eu guardo a casa de hũu senhor com que viuo, e non leixo acheguar a ella nhũu[5] ladrom. E por tamto meu senhor me ama muyto, e dá-me de comer e de beber quanto me faz mester.

Diz o lobo:

— Eu me quero vĩjr com tiguo[6], porque me faças poer na graça do teu ssenhor.

  1. No ms. pa, tendo havido esquecimento de cortar o p.
  2. No ms. em separado cortes mente, como transcrevo; hoje cortesmente.
  3. No ms. em separado boa mente.
  4. Sic.
  5. Leia-se nhehũu (ou nem hũu)
  6. No ms. com tiguo em duas palavras.