[C]omta o poeta este enxemplo pera[1] nos amostrar, e diz que hũu machado nom auia manguo, e foy-sse a hũu mato e cortês memte[2] lhe rrogou que lhe desse hũu paao pera hũu mango: /[Fl. 28B-r.] ho mato lh’o deu de boa mente[3].
Ho vilaão, depoys que pos o manguo ao machado, tornou aa mata e compeçou a talhar das aruores quanto lhe prazia; e fazia-lhe muyto dapno. A mata sse anojaua muyto e dizia:
— Ay mizquynha! ca eu ssom culpada d’este dapno que me este machado faz, ca sse lhe eu nom dera o manguo, ell nom avia poder de me fazer o dapno que me faz! Bem empreguado sseja em mym, ca eu fuy cajom de meu mall e dapno que rreçebo!
Per este emxemplo este doutor nos amostra e diz que nós nom deuemos dar ajuda nem comsselho aos nossos emijgos, porque quanto nossos jmijgos forem mays fortes, tamto averam mayor audaçia ssobre o sseu jmijguo, e dando-lhe ajuda e comsselho, ell medês he cajom de ssua morte ou desonhorra[4].
[Fl. 28B-v.][P]om o poeta este emxemplo por noso amoestramento, e diz que andando hũu lobo sseu camynho, encontrou com hũu cam. Ho lobo ho ssaudou e mostrou-lhe boo ssenbramte, e disse que queria ser sseu companheyro. O cam disse que lhe prazia d’elo muyto.
Andando anbos de companha, o lobo compeçou de olhar o cam, e disse-lhe:
— Como tu estás guordo e fremoso?!
Ho cam lhe rrespondeo:
— Porque de noute eu guardo a casa de hũu senhor com que viuo, e non leixo acheguar a ella nhũu[5] ladrom. E por tamto meu senhor me ama muyto, e dá-me de comer e de beber quanto me faz mester.
Diz o lobo:
— Eu me quero vĩjr com tiguo[6], porque me faças poer na graça do teu ssenhor.