[Fl. 32-r.][E]ste poeta nos dá este emxemplo, e diz que hũu çeruo fugia porque os cãaes corriam em tras ell: e com pressa que o çeruo avia, foy-sse meter em hũa caualariça de boys, que os cãaes nom o virom.
Ho çeruo rrogou aos boys que o escondessem amtre ssy. Os boys lhe diserom que mays sseguro sseria em algũa mata, que estar aly, ou sse ffosse ascomder em algũu rrio:
— Porque aquell que nos guarda e nos dá de comer uerrá loguo a pouca d’ora aquy, e sse te vir, matar-t’a.
O çeruo lhe rrogou que o escondessem. E os boys o cobrirom com palha.
A pouca d’ora veo o mançebo do Senhor e deu do comer aos boys e tornou-sse a casa. O çeruo tomou gram prazer, cuydando ja sseer fora do prijguoo[1], e daua muytas graças aos boys. Hũu dos boys lhe disse que ajnda auia de vĩjr o sseu senhor a ueer como estauam, o quall avia nome Arguu, e avia çem olhos, e sse[2] d’aquella[3] podia escapar, era sseguro.
Estando em estas palauras, chegou Arguu e conpeçou d’esguardar estes boys, e ueo-lhes apostando sseu comer; e esguardando com diligençia sseus boys, vio os cornos do çeruo e matou-ho.
[Fl. 32-v.]Pom ho poeta este emxenplo, rreprehemdemdo os homẽes que nom ssom fiees, e louva os homẽes ssabedores e discretos, os quaes ham cura com diligençia de ssuas fazemdas. E este Arguu, o qual avia çento olhos, ssignificaua o ssenhor, que deue auer çento olhos a ueer ssua fazenda. E quando o elle póde fazer per ssy, nom as[4] faça fazer per outrem, ca diz hũu prouerbio:
Maladante he aquell
Que sseu aver nom vee.
Ca o senhor que he bem avisado, milhor vee sseus fectos[5] que o seruo que sse cura muy pouco, como fez Arguu, que vio o çeruo, e o sseu seruidor nom o vyo, ca nom avia tanto cuydado como sseu dono avia cuja ha[6] cousa era.