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embora na fab. III, 8, esteja legemos = leguemos[1]; de facto o uso geral do ms. é representar por gu o g guttural. Com burgês cfr. burges em Viterbo, Elucidario, s. v., comquanto elle a par cite burgues[2]; e cfr. principalmente hesp. arc. burgés[3] e fr. burgeois. Deve entender-se que o burgés do Fabulario, a ser exacta a explicação que dou, vem directamemte de burgense-, como o hesp. e o fr., ao passo que a moderna fórma burguês deriva de burgo; tambem em hesp. mod. ha burgués, que, do mesmo modo, vem de burgo.

buscar: emprega-se intransitivamente em XXI, 3.

C

1. ca, porque: XX, 11; XLI, 9; etc. — Do lat. quia ou quā.

2. ca, do que: XVII, 17. — Do lat. qua(m).

cabrom, cabrão, bode: XXXII, 17. Na mesma fab., 2, emprega-se bode como synonymo. Alterna com cabram em LX, 2, 5, 10, a não haver, como parece que não ha (pois cabram repete-se tres vezes), erro de a por o.

cajom, occasião, causa: XXXIX, 11, 15. Em II, 24, buscar cajom (comtra rrazom) = buscar pretexto.

cam, cão: V, 11; XXXVI, 9. A pronúncia era certamente (no pl. cãaes: XXXIII, 6); cfr. gall. can (=cã), hesp. ant. can.

carniça, carne morta, em grande quantidade: VIII, 2.

çarrar, fechar[4]: LVIII, 2.

cárrega, carga: XLIII, 2 (carregua).

carretar, acarretar: XIII, 8; XXIX, 10. Comquanto nas phrases onde entra esta palavra as palavras antecedentes a ella terminem em a, não parece que carretar seja êrro por acarretar, pois Moraes cita tambem carretar. Cfr. o subst. vb. carrêto, que faz presuppor esse verbo.

caso (per), por acaso: XXXIV, 4.

  1. A fórma legemos = leguemos é de origem litteraria (a fórma popular que lhe corresponde é liemos), e por isso nunca ahi g podia ser palatal; o conjunctivo baseia-se em legar, por analogia com os outros conjunctivos da 1.ª conjugação.
  2. Neste caso e em burges, Viterbo escreve por êrro z em vez de s.
  3. Vid.: Dicc. da Acad. Hesp., s. v.; M. Pidal, Gram. Hist. Esp., Madrid 1904, p. 126; Meyer-Lübke, Gram. der Rom. Spr., II, § 473.
  4. Em português moderno (pelo menos na Beira), cerrar, fallando de porta ou janella, significa «fechar incompletamente», «encostar»; mas na fabula de que se trata, çarrar significa «fechar completamente», como o hesp. cerrar.