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Só sua doce Musa o acompanha
Nos soidosos versos qu’escrevia,
E nos lamentos com que o campo banha.

Dest’arte me figura a phantasia
A vida com que morro, desterrado
Do bem qu’em outro tempo possuia.

Aqui contemplo o gôsto ja passado,
Que nunca passará por a memoria
De quem o traz na mente debuxado.

Aqui vejo caduca e debil glória
Desenganar meu êrro co’a mudança
Que faz a fragil vida transitoria.

Aqui me representa esta lembrança
Quão pouca culpa tenho; e m’entristece
Ver sem razão a pena que m’alcança.

Que a pena que com causa se padece,
A causa tira o sentimento della;
Mas muito doe a que se não merece.

Quando a roxa manhãa, dourada e bella,
Abre as portas ao sol e cahe o orvalho,
E torna a seus queixumes Philomela;

Este cuidado, que co’o somno atalho,
Em sonhos me parece; que o que a gente
Por seu descanso tẽe me dá trabalho.

E despois de acordado cegamente,
(Ou, por melhor dizer, desacordado,
Que pouco acôrdo logra hum descontente)

Daqui me vou, com passo carregado,
A hum outeiro erguido, e alli m’assento,
Soltando toda a redea a meu cuidado.

Despois de farto ja de meu tormento,