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A pena que lá tẽe, terão por glória.

Essa imaginação, emfim, me augmenta
Mil mágoas no sentido, porque a vida
De imaginações tristes se contenta.

Que pois de todo vive consumida,
Porque o mal que possue se resuma,
Imagina na glória possuida.

Até que a noite eterna me consuma,
Ou veja aquelle dia desejado
Em que a Fortuna faça o que costuma;

Se nella ha hi mudar-se hum triste estado.


ELEGIA II.

Aquella que d’amor descomedido
Por o formoso moço se perdeo,
Que só por si d’amores foi perdido;

Despois que a deosa em pedra a converteo
De seu humano gesto verdadeiro,
A última voz só lhe concedeo.

Assi meu mal do proprio ser primeiro
Outra cousa nenhũa me consente,
Qu’este canto qu’escrevo derradeiro.

E se huma pouca vida, estando ausente,
Me deixa Amor, he porque o pensamento
Sinta a perda do bem d’estar presente.

Senhor, se vos espanta o soffrimento
Que tenho em tanto mal para escrevê-lo,