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Subo-me ao monte que Hercules Thebano
Do altissimo Calpe dividio,
Dando caminho ao mar Mediterrano;

D’alli’stou tenteando adonde vio
O pomar das Hesperidas, matando
A serpe que a seu passo resistio.

Estou-me em outra parte figurando
O poderoso Anteo, que derribado
Mais fôrça se lhe vinha accrescentando;

Porém do Herculeo braço sobjugado,
No ar deixando a vida, não podendo
Dos soccorros da mãe ser ajudado.

Mas nem com isto, emfim, qu’estou dizendo,
Nem com as armas tão continuadas,
D’amorosas lembranças me defendo.

Todas as cousas vejo demudadas,
Porque o tempo ligeiro não consente
Qu’estejão de firmeza acompanhadas.

Vi ja que a Primavera, de contente,
Em variadas côres revestia
O monte, o campo, o valle, alegremente.

Vi ja das altas aves a harmonia,
Que até duros penedos convidava
A algum suave modo d’alegria.

Vi ja que tudo, emfim, me contentava,
E que, de muito cheio de firmeza,
Hum mal por mil prazeres não trocava.

Tal me tẽe a mudança e estranheza,
Que se vou por os prados, a verdura
Parece que se sécca de tristeza.

Mas isto he ja costume da ventura;