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Hum’arte singular lhe promettia,
Qu’então compunha, com que lh’ensinasse
A lembrar-se de tudo o que fazia;

Onde tão subtis regras lhe mostrasse,
Que nunca lhe passassem da memoria
Em nenhum tempo as cousas que passasse.

Bem merecia, certo, fama e gloria
Quem dava regra contra o esquecimento,
Que sepulta qualquer antigua historia.

Mas o Capitão claro, cujo intento
Bem differente estava, porque havia
Do passado as lembranças por tormento;

Oh illustre Simonides! (dizia)
Pois tanto em teu engenho te confias,
Que mostras á memoria nova via;

Se me désses hum’arte, qu’em meus dias
Me não lembrasse nada do passado,
Oh quanto melhor obra me farias!

S’este excellente dito ponderado
Fosse por quem se visse estar ausente,
Em longas esperanças degradado;

Oh como bradaria justamente,
Simonides, inventa novas artes;
Não midas o passado co’o presente!

Que se he forçado andar por várias partes
Buscando á vida algum descanço honesto,
Que tu, Fortuna injusta, mal repartes;

E se o duro trabalho, he manifesto
Que por grave que seja, ha de passar-se
Com animoso esprito e ledo gesto;

De que serve ás pessoas o lembrar-se