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As rosas que de sangue resplandecem,
As candidas boninas marchetadas,
Qual roxo esmalte á vista bem se offrecem.

Do matutino orvalho rociadas,
As flores rutilantes e cheirosas
Estão como por cima prateadas.

Os humidos botões abrindo as rosas,
Que os agudos espinhos vão cercando,
No prado se vem rindo deliciosas.

A mellifera abelha, susurrando
Por cima das boninas que rodeia,
Está co’o som das ágoas concertando.

Do trémulo regato a branda areia
De jacinthos se cobre e de vieiras,
Qu’encrespão da corrente a branca veia.

Os álamos s’abração co’as videiras
De sorte, que s’enxérga escassamente
Se são os cachos seus, se das parreiras;

E pendendo por cima da corrente,
Outro formoso bosque debuxando
Estão no fundo della brandamente.

Ouve-se o rouxinol aqui, lembrando
Do perfido cunhado a crueldade,
Mágoas em melodias transformando.

A solitaria rôla com soidade
Desfaz o rouco peito, ja cansada
De que não move a morte a piedade.

A domestica Progne anda banhada
No sangue de seus filhos, em vingança
Da triste Philomela profanada.

De competir co’o merlo não descança