Página:Obras completas de Luis de Camões III (1843).djvu/184

185


Bem póde o coração desenganar-se,
Que o fogo d’hum querer, n’alma inflammado,
Não costuma na morte resfriar-se.

Porque despois do corpo sepultado,
Prisão onde s’encerra o fraco esprito,
Eternamente chora o seu cuidado.

E das escuras ágoas do Cocito
A rapida corrente refreando,
Celebra o lindo gesto n’alma escrito.

Lá se está co’os favores recreando;
E se foi desprezado, lá padece,
As duras esquivanças lamentando.

Nem dos avaros olhos lá s’esquece,
Que de formoso verde a terra esmaltão,
Por não ver os do triste qu’endoudece.

Assi que os desfavores nunca faltão,
Até despois da morte perseguindo
Hum triste coração que desbaratão.

Triste de quem em vão lhe vai fugindo!


Este terceto foi viciado na cópia e depois, ao que

parece, corrigido por mão estranha. A versificação está certa, mas o sentido he absurdo: e se a verdadeira lição não he:

Porque, cruel menino, o premio partes
De modo que es tyranno, quando o negas,
E injusto e desigual, quando o repartes?

não podemos adivinhar qual seja. Nota dos Editores.


ELEGIA VII.

Ao pé d’hum’alta faia vi sentado,
N’hum valle deleitoso e bem florido,
A Almeno, pastor triste e namorado.

Outro no mundo póde haver nascido
Mui queixoso de Amor; porém não tanto,
Como este amante, por amar perdido.

Ja Venus hia recolhendo o manto