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Escuro com que a terra se mostrava,
Para ajudar d’Almeno o triste pranto.

Apollo sôbre os montes derramava
Seus dourados cabellos, que fazião
Ao triste inda mais triste do qu’estava.

As flores por o prado s’estendião.
E das que finas mais erão as côres,
Brancas, roxas, as Nymphas mais colhião.

Ja guiavão seus gados os pastores,
Que, deixando-os no campo deleitoso,
Com ellas praticavão só d’amores.

Mas era esta alegria hum perigoso
Estado para Almeno entristecido;
E por isso a deixava pressuroso,

Buscando outro lugar: contra Cupido
Claramente exclamava, e o arguia
De contrário, d’astuto e fementido.

De quando em quando a frauta que tangia.
Numeros dava ao ar tão docemente,
Que as aves provocava a melodia.

Cego assi desta dor, deste accidente,
Com os olhos em lagrimas banhados,
Postos no ceo, dizia tristemente:

Se, Amor, eu te offendi com meus cuidados,
Porque mos déste tu para offender-te,
Quando livre vivia nestes prados?

Não vês quanto me negas merecer-te
O bem que me mostravas, se deixasse
Ferir meu coração para soffrer-te?

Qual bem me has dado, Amor, que me durasse?
Ou qual me has promettido, que hajas dado?