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Ou qual déste, que muito não custasse?

Mostra-me quem puzeste em tal estado,
Que pudesse viver de ti contente,
Ou quem de ti não fosse lastimado?

Inimigo cruel de toda a gente,
Ja não quero teu bem, só meu mal quero;
Se de ti nem meu mal se me consente.

Inda que de teus bens ja desespéro,
Não desprézo dos males o tormento;
Antes o prezo mais, quando he mais fero.

Arrebatado deste pensamento
Hia o triste pastor com hum contino
Pranto, que lhe avivava o sentimento.

Quando entrou n’hum vergel d’esmalte fino,
Qu’era de Amor plantado; e parecendo
Lhe está menos humano que divino.

Nelle a dor sua esteve suspendendo:
Porém não, como cervo, está ferido,
Reparo ao mal que leva pretendendo.

Apparecia o sítio tão florído,
Que provocava a não vulgar espanto,
Entre huns altos ulmeiros escondido.

D’hum crystallino orvalho tinha o manto,
Quando entrou nelle o misero pastor,
E as tenções explicou neste seu canto.

Ó bellas rosas, vós que sois amor,
He por dita humildade, ou he baixeza,
O ter apar de vós murta, que he dor?

Papoulas conversais, que são tristeza!
Não desprezais o cardo, que he tormento!
Admittis a hortelãa, sendo crueza!