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Torna a manhãa despois alegre e cheia
Da luz que o chôro enxuga á bella Aurora;
Mas do meu chôro nunca enxuga a veia.

Lagrimas ja não são qu’esta alma chora,
Mas amor he vital que dentro arde,
E por a luz dos olhos salta fóra.

Como inda a morte quer que mais aguarde?
Não tarde ja, mas corra a mal tão fero.
Mas ja por mais que corra virá tarde.

Nem no supremo trance de ti ’spero
Qu’inda com ver o estado em que me has pôsto
Queiras, crua, entender quanto te quero.

Ai! se volveres esse bello rosto
Ao lugar triste em que morrer me vires,
Não por desgôsto teu, mas por teu gôsto,

Não quero de ti, não, que alli suspires,
Nem que de dar-me a morte te arrependas,
Mas que os olhos de ver-me então não tires.

Assi nunca pastor a quem te rendas,
Te faça conhecer o que me fazes,
Para que com teu mal meu mal entendas!

Como ja agora não te satisfazes
Das penas deste amor, que por querer-te,
De teu merecimento são capazes?

Pois quem com outro merito render-te
Presume, (oh raro monstro de belleza!)
Muito mais longe está de merecer-te.

Este si, que merece a grã crueza
Com que tu d’acabar-me a vida tratas,
Pois diante de ti, de si se preza.

Se cuidas que com isto desbaratas