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O meu constante amor, porque não viva,
Elle mais vive quando mais me matas.

Se o dar-me morte tens por glória altiva,
Eu m’inclino a que mates; tu t’inclina
A matar mais de branda que d’esquiva.

S’esta alma tua julgas por indina
Daquelle grande bem qu’em ti s’esconde,
Do descoberto mal a faze dina.

Onde (ai!) voz acharei que baste, (ai!) onde,
A poder reduzir-te a ser piedosa?
Ou m’acaba de todo, ou me responde.

Mas por mais que te mostres rigorosa,
Deixar meu pensamento m’he impossivel,
Igualmente que a ti não ser formosa.

E por mais qu’esta dor seja terrivel,
Somente o contemplar a causa della,
Inda que a faz maior, a faz soffrivel

Porém chegando a não poder soffrê-la,
Perdendo a vida; quando a morte chame,
Não perderei o gôsto de perdê-la.

He justo qu’eu por ti mil mortes ame:
Mas vê tu se te illustra, quando offensa
Minha mortal o teu valor se chame.

Bem vês que huma beldade tão immensa
De vencer-me tẽe glória bem pequena,
Pois só render-me tomo por defensa.

Mas ja que amor tão puro me condena,
Contente fico assaz desta victoria;
Que não me dão meus males tanta pena,

Quanto o serem por ti me dá de glória.