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Que delles o discurso lance fóra.

Alli de dor os corações sujeitos
Hão de lançar de si toda a memoria
D’exemplos claros, solidos respeitos.

Mas, porém se igualais a vida á glória,
Ó claro Dom Philippe, e pretendeis
Deixar-nos de acções vossas larga historia;

Eu não vos persuado a que estreiteis
O coração na Estoica disciplina,
Onde livre d’affectos vos mostreis.

Que mal a natureza determina
Medo, esperanças, dores e alegria,
Como o Cynico velho nos ensina.

Immanidade estupida (dizia
O Sulmonense canto) e vil rudeza,
He não sentir affectos que a alma cria.

Porém se o sentir nada for bruteza,
E se paixão devida se consente,
Tambem o sentir muito he ja fraqueza.

Em vós hum soffrer alto s’exprimente,
Qual nos fortes Varões foi conhecido,
Como em estranha, em Lusitana gente.

Bem conheço que o corpo assi perdido,
Como de illustre tumulo carece,
Será de brutas feras consumido.

Mas consola-me, emfim, que se parece
Ao grande bisavô, que por a vida
Real, a sua á Maura lança offrece.

Em pedaços a gente enfurecida
O corpo alli lhe deixa; e com mão dura
Lhe nega a sepultura merecida.