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Aquelle corpo tenro e delicado,
Sôbre todos os Santos sacrosanto,
A açoutes rigorosos desangrado;

Despois coberto mal d’hum pobre manto,
Que se pegava ás carnes magoadas
Para dobrar-lhe as dores outro tanto.

Magoavão-no as chagas não curadas,
Hum tormento causando-lhe excessivo
Ao despir por as mãos crueis e iradas.

As venerandas barbas de Deos vivo
De resplandor ornadas, s’arrancavão
Para desempenhar a Adão captivo.

Com cordas por as ruas o levavão,
Levando sôbre os hombros o trophéo
Da victoria qu’as almas alcançavão.

Ó tu, que passas, homem Cyrenêo,
Ajuda hum pouco a est’Homem verdadeiro,
Que agora, como humano, enfraqueceo.

Ólha que o corpo afflicto do marteiro,
E dos longos jejuns debilitado,
Não póde ja co’o pêso do madeiro.

Oh não enfraqueçais, Deos incarnado!
Essas quédas, que tanto vos magôão,
Supportae Cavalleiro sublimado.

Aquellas altas vozes, que lá sôão,
Dos Padres são, que o Limbo tẽe escuro,
E ja de louro e palma vos corôão.

Todos vos bradão que subais o muro
Da cidade infernal, e que arvoreis
Em cima essa bandeira mui seguro.

Oh Santos Padres! não vos apresseis;