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Triste! que por tornar-lhe o antigo siso
Lhe tira a doce vida descansada.
As hervas Apollineas d’improviso
O tornão á saude ja passada.
Sisudo Trasilao, ao charo irmão
Agradece a vontade, a obra não.

Porque despois de ver-se no perigo
Do trabalho a que o siso o obrigava,
E despois de não ver o estado antigo,
Que a louca presumpção lhe apresentava:
Oh inimigo irmão, com côr de amigo!
Para que me tiraste (suspirava)
Da mais quieta vida e livre em tudo,
Que nunca pôde ter nenhum sisudo?

Por qual Senhor algum eu me trocára,
Ou por qual algum Rei de mais grandeza?
Que me dava que o mundo se acabára,
Ou que a ordem mudasse a natureza?
Agora me he penosa a vida chara;
Sei que cousa he trabalho, e qu’he tristeza.
Torna-me a meu estado; qu’eu te aviso
Que na doudice só consiste o siso.

Vêdes aqui, Senhor, bem claramente
Como a Fortuna em todos tẽe poder,
Senão só no que menos sabe e sente;
Em quem nenhum desejo póde haver.
Este se póde rir da cega gente;
Neste não póde nada acontecer;
Nem estara suspenso na balança
Do temor mao, da perfida esperança.

Mas se o sereno Ceo me concedêra