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E em quanto por Verão flores colhesse,
Ou por Inverno ao fogo accommodado,
O que de mi sentíra nos dissesse,
De puro amor o peito salteado;
Não pedíra então eu, que Amor me désse
Do insano Trasilao o doudo estado;
Mas que alli me dobrasse o entendimento,
Por ter de tanto bem conhecimento.

Mas por onde me leva a phantasia?
Porqu’imagino em bem-aventuranças,
Se tão longe a Fortuna me desvia,
Qu’inda me não consente as esperanças?
Se hum novo pensamento Amor me cria
Onde o lugar, o tempo, as esquivanças
Do bem me fazem tão desamparado,
Que não póde ser mais qui’maginado?

Fortuna, emfim, co’o Amor se conjurou
Contra mi, porque mais me magoasse:
Amor a hum vão desejo me obrigou,
Só para que a Fortuna mo negasse.
O tempo a tal estado me chegou;
E nelle quiz que a vida se acabasse;
Se ha em mi acabar-se, o qu’eu não creio;
Que até da muita vida me receio.


EPISTOLA II.

Como nos vossos hombros tão constantes
(Principe illustre e raro) sustenteis