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Elle he d’amor; e delle fui forçado
A que te declarasse o meu cuidado.

Se merece castigo a confiança
Com que descubro agora o que padeço,
Aqui prompto me tens; toma a vingança
Que por tão grave culpa te mereço.
Bem me podes negar toda esperança,
Mas eu não desistir deste comêço;
Porque tempo e Fortuna não são parte
Para deixar hum’hora só de amar-te.

Ja que ver-te os meus olhos alcançárão,
Descansem neste bem com alegria,
Pois ja com ver os teus tanto ganhárão,
Quanto, estando sem vê-los, se perdia.
Que glória querem mais, se a ver chegárão
Aquella pura luz que vence ao dia?
Qual mor bem ha no mundo que querer-te,
Se não ha mais que ver despois de ver-te?

Minhas dores mortaes, bella Senhora,
Tirárão a virtude ao soffrimento;
E fazendo-se mais em qualquer hora,
Levando vão traz ti meu pensamento:
Porém soberbos vejo desde agora,
Por a causa gentil de seu tormento,
Minha alma, meu desejo, meu sentido,
Porque á tua belleza se hão rendido.

A par de tua rara formosura
Se desconhece o mor merecimento;
A tua claridade torna escura
Do sol a clara luz em hum momento.
Se Zeuxis ao formar bella figura,