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Alli sua pureza e virgindade
Queria com solemne e sacro voto
Consagrar á divina Potestade,
Que o ceo e a terra fez de proprio moto.
E que deixasse a vãa gentilidade
Seu filho, para genro ser de Noto,
Para que neste espaço doutrinado
Fosse na Fé de Christo, e baptizado.

Com estas condições Ursula disse
Ao charo pae, que, a ser dellas contente,
Podia responder; e despedisse
A proposta daquelle Rei potente:
Ou porque ouvindo-as elle desistisse,
Podendo-se acceitar difficilmente;
Ou porque, quando as virgens concedesse,
Comsigo a seu Senhor onze mil désse.

Oh Divino saber, quão soberano
Conselho he sempre o teu! quão remontado!
Oh quanto o mor saber te cede humano,
Por mais que de razões vá mais ornado!
Ja dos idolos deixa o cego engano
O Principe, da virgem namorado;
Ja terno pede ao pae quanto ella pede;
Ja o pae quanto lhe roga lhe concede.

Ja para ti, ó virgem bella e branda,
Com huma singular velocidade,
Juntar se via d’huma e d’outra banda
De feminil nobreza tenra idade.
As naos apparelhar o Rei ja manda;
Ja nellas se recolhe a Virgindade;