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Pois que para mi nasceo,
E eu para ella.

No mundo não tẽe boa sorte, senão quem tẽe por boa a que tẽe. E daqui me vem contentar-me de triste. Mas olhae de que maneira:

Vivo assi ao revés,
Tomando por certa vida
Certa morte,
Com que fólgo em que me pês;
Pois minha sorte he servida
De tal sorte.

Huma cousa sabei, que o mal, inda que ás vezes o vejais louvar, não ha quem o louve com a boca, que o não tache com o coração.

Ajuda-me a soffrer
Vida tão sem soffrimento,
E tão sem vida,
Ver que, emfim, fim hão de ter
Desgôsto e contentamento
Sem medida.

Attentae que não são maos confeitos de enforcado, para os que estão com o baraço na garganta, cuidar que o bem e o mal, aindaque sejão differentes na vida, são conformes na morte; porque vemos

Que não ha tão alta sorte,
Nem ventura tão subida,
Ou desastrada,
A quem o assópro da morte
Não sopre o fogo da vida.

A seu fim todas cousas vão correndo;
Nem ha cousa, que o tempo não consuma,