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queria ser convertido em tão baixo animal e tão
nojoso, dizia a sua letra assi em Castelhano:

<poem>
Si yo desobedeciere
Á tu deidad santa y pura,
En al mudes mi figura.

Alguns praguentos quizerão dizer que esta letra era maliciosa, e que não queria dizer tanto desejar este galante de ser mudado em al, como que desejava almudes deste licor. Mas he muito grande falsidade, que sendo a letra assi feita, acaso acertou de sahir aquella palavra, com que molhava as suas quem tirava a divisa. Do que o innocente Autor, despois ficou para se enforcar. Mas outro galante, que de fino bebado ja passava os limites do bom e costumado beber, tirou por divisa huma palmeira; árvore, que entre os Antigos significava victoria; e ao pé della alguns ramos de vides e de parreiras pizadas; e dizia a letra assi:

Ficae vencidas, sem gloria,
Vós vides e vós parreiras;
Porque os ramos das palmeiras
São os que tẽe a victoria.

Tambem aqui não faltárão praguentos, que quizerão dizer que este devoto, deixando ja atraz Portugal, commettia com valeroso animo Orracas e Fullas, tendo em pouco Caparicas e Seixaes. Mas quem ha que fuja de más linguas, ou de mal costumadas gargantas?

Outro galante, a quem fazia mal ao estomago beber o vinho agoado, tirou por divisa huma peça de chamalote sem ágoas, que apresentava Baccho; e dizia a letra, como por parte do mesmo Baccho: </poem>