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CCLVIII.
Lembranças de meu bem, doces lembranças
Que tão vivas estais nesta alma minha,
Não queirais mais de mi, se os bens que tinha
Em poder vêdes todos de mudanças.
  Ai cego Amor! ai mortas esperanças
De qu'eu em outro tempo me matinha!
Agora deixareis quem vos sostinha;
Acabarão co'a vida as confianças.
  Co'a vida acabarão, pois a ventura
Me roubou n'hum momento aquella gloria,
Que, quando tão grande he, tão pouco dura.
  Oh se apoz o prazer fôra a memoria!
Ao menos estivera a alma segura
De ganhar-se com ella mais victoria.
CCLIX.
Formosos olhos, que cuidado dais
Á mesma luz do sol mais clara e pura;
Que sua esclarecida formosura,
Com tanta gloria vossa, atraz deixais;
  Se por serdes tão bellos desprezais
A fineza de amor que vos procura,
Pois tanto vêdes, vêde que não dura
O vosso resplandor quanto cuidais.
  Colhei, colhei do tempo fugitivo
E de vossa belleza o doce fruto;
Qu'em vão fóra de tempo he desejado.
  E a mi, que por vós morro, e por vós vivo,
Fazei pagar a Amor o seu tributo,
Contente de por vós lho haver pagado