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A mostrares sequer contentamento
De ver o meu tormento;
Antes tudo soberba desprezaste,
E a outrem t'entregaste
Por nada me ficar em qu'esperasse,
Senão quando acabasse
A vida, a pezar meu, ja tão comprida,
Perca, quem te perdeo, tambem a vida.
            DURIANO.
  Longo curso de tempo, e apartado
Lugar a hum coração, que vive entregue,
Não podem apartar de seu intento.
Porque foges, cruel, a quem te segue?
Não vês que teu fugir he escusado,
Pois sem mim não estás hum só momento?
Nenhum apartamento,
Inda que a alma do corpo se m'aparte,
Poderá ja ausentar-te
Dest'alma triste, que continuamente
Em si te tẽe presente.
Torna, cruel; não fujas a quem t'ama:
Vem a dar vida, ou morte a quem te chama.
  A noite escura, triste e tenebrosa,
Que ja tinha estendido o negro manto,
D'escuridade a terra toda enchendo,
Fez pôr a estes pastores fim ao canto,
Que ao longo da ribeira deleitosa
Vinhão seu manso gado recolhendo.
Se aquillo, qu'eu pretendo
Deste trabalho haver, que he todo vosso,
Senhora, alcançar posso;{201}