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Ha dó do corpo só, qu'está sem alma,
Pois sem alma não vive o corpo só.
Nas chammas e no ardor, no fogo e calma,
Na affeição, no querer eu sou hum só:
Não acharás vontade tão captiva;
Nem outra como a tua tão esquiva.
  Se te apartas por não ouvir meu rôgo,
Onde estiveres te hei d'importunar:
Postoque vás por ágoa, ferro, ou fogo,
Comtigo em toda parte m'has d'achar;
Que o fogo em que ardo, e a ágoa em que m'affogo,
Emquanto eu vivo for, hão de durar;
Pois o nó, que m'enlaça, he de tal sorte,
Que não se ha de soltar em vida, ou morte.
  Neste meu coração sempr'estaras,
Emquanto a alma estiver com elle unida:
Tambem o meu esprito possuirás
Despois que a alma do corpo for partida.
Por mais e mais que faças, não faras
Que deixe o amar-te nesta e ess'outra vida:
Impossivel sera qu'eternamente
Ausente estês de mim, estando ausente.
  Cá m'acompanhará vossa memoria,
Se o rio, que se diz do esquecimento,
Da minha não borrar tão longa historia,
Tão grave mal, tão duro apartamento.
Até quando vos veja entrar na gloria,
Viverei n'hum contino sentimento:
E ainda então vereis (s'isto ser possa)
Esta minh'alma lá servir a vossa.
  Aqui com grave dor, com triste accento,{