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E he causa desta dor que lhe contenta.
  E segundo o que delle agora entendo,
Se a vista não m'engana o pensamento,
Ou de vãa phantasia estou pendendo;
  Quando fôra maior o grão tormento,
Que Soliso padece, não pudera
Igualar-se com seu merecimento.
  Quero chegar-me a elle, em quanto espera
Que vá descendo o vagaroso gado:
Saberei delle o que saber quizera.
  Venho, Soliso, a ti com hum cuidado,
Que todo m'entristece; e com grão medo
De grão mal sôbre nós inopinado.
  Vês tu como está agora este arvoredo
Triste e pezado, lugubre e sombrio?
Como o vento parece que está quedo?
  Vês a commum corrente deste rio
Que ora tanto se pára, ora anda tanto,
Deixando de seu curso o certo fio?
  Vês como a Philomella deixa o canto,
Com que incita os pastores namorados,
E multiplica Progne o triste pranto?
  E vês, emfim, por todos esses prados
Desmaiadas as hervas, que sohião
Viçoso pasto dar aos nossos gados?
  Todos estes sinaes, que não se vião
Nas Auroras a esta antecedentes,
Algum damno mortal nos annuncião.
  Eu não sinto o que seja: se o tu sentes,
Não te seja o dizer-mo mui penoso;
E entenderei por ti taes accidentes.{294}
            SOLISO.