só duas teve o poeta, de escrever para o Reino depois da sua chegada á India, e antes de ser desterrado: em 1555 pelas naos que trouxerão a carta que tratava das mortes de Dom Antonio de Noronha e do Principe Dom João, ou pelas que de lá vierão em 1556, governando ja Francisco Barreto; e na primeira occasião de certo não foi escrita, nem tambem depois do desterro, por ser em estilo jocoso e não fazer menção alguma destes acontecimentos, que tanto o magoárão. Acresce mais que na mesma carta parece alludir á enfatuação e soberba do governador, quando diz: Principes de condição, ainda que o sejão de sangue, são mais enfadonhos que a pobreza: fazem com suas fidalguias, com que lhe cavemos fidalguias de seus avós, onde não ha trigo tão joeirado, que não tenha alguma hervilhaca. Ora se o segredo que o poeta recommendava ao seu amigo, era (como parece) por causa desta Satyra, não he verosimil que elle mesmo fizesse publico em Goa o que tão secreto queria a tantas mil legoas de distancia. Além de que se Luis de Camões quizesse publicamente satyrizar a Francisco Barreto, certo he que lhe assentára mais de rijo a espada do ridiculo, que melhor que ninguem sabia manejar. E tambem he certo que, se Francisco Barreto alcançasse este papel, ou tivesse algum outro crime de que arguir o poeta, não deixára de o mandar julgar conforme as leis; nem um homem tão comedido, como Luis de Camões, quando tivesse merecido um tal castigo, se queixára tão amargamente deste desterro em tantos lugares das suas obras, como nos Lusiadas, Canto VII, Est. 81.{XLIV}