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XLVII} grandeza do seu merecimento e virtude. E a Satyra, unica acção reprehensivel que na sua vida se encontra, não serve senão para provar que entre Camões e Barreto havia inimizade. Nem em tal disparidade de sentir e de pensar podia haver perfeita concordia. Francisco Barreto, homem soberbo e mediocre, posto que não desajudado da Fortuna, que sempre se inclina mais a esta especie de gente, não podia amar nem soffrer um homem tão superior, como Luis de Camões: desejava-o longe de si, para que não fosse testimunha e juiz das suas acções; e apenas se vio com o poder na mão, o prendeo e desterrou, deixando-se arrastar da sua paixão, ou dando ouvidos a mexericos e calumnias, como affirma o commentador Manoel Correa, que o ouvio da propria boca do poeta: o que perfeitamente se ajusta com o que elle mesmo nos diz nos ultimos dous versos da ja citada Estancia 81 do Canto VII:
Trabalhos nunca usados me inventárão,
Com que em tão duro estado me deitárão.
Nem este foi o só acto despotico do governador Francisco Barreto. Porque, tendo mandado destruir por Pedro Barreto Rolim a florescente e populosa cidade de Tatá no reino de Cinde, que tinha grande trato de commercio com a nossa praça de Ormus, como o governador della, Dom João de Ataide, censurasse esta medida cruel, assim por humanidade, como pela deminuição que dahi resultava nos rendimentos daquella Alfandega, e isto chegasse aos ouvidos de Barreto; o mandou autoar por um Desembargador e conduzir{XLVIII}