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preso a Goa para ser julgado, não obstante haver sido provido por ElRei no governo daquella fortaleza, e ter grande valimento na Corte. E se isto ousou fazer a um poderoso, como teria mais respeito a um desvalido?
  Depois de tantos trabalhos, parece que, chegado a Macao, ahi encontrou algum descanso; e ahi concluio o seu Poema: e tambem he tradição que exercêra o Officio de Provedor dos defuntos, em que adquiríra alguma fortuna. O certo he que Luis de Camões das ilhas Molucas passou a Macao, e que de lá voltou a Goa, depois do anno de 1558, quando ja governava aquelle Estado o Viso-Rei Dom Constantino de Bragança; trazendo algum cabedal, fosse adquirido no exercicio daquelle cargo, ou por outros meios, porque isso mesmo se entende da Est. 80 do Canto VII onde diz:
Agora da esperança ja adquirida
De novo mais que nunca derribado.
Porem, chegando á costa de Camboja, de fronte da foz do rio Mecom, deo a nao em uns baixos, onde se fez em pedaços; e deste naufragio, perdida toda a sua fortuna, pôde apenas salvar a vida e o seu Poema, ganhando, como Cesar, a praia a nado. E deste infortunio e da humanidade, com que foi recebido e agasalhado por aquelles povos, se lembra elle no Canto X, Est. 128, onde diz, fallando do rio Mecom:
Este receberá placido e brando
No seu regaço os Cantos, que molhados
Vem do naufragio triste e miserando,{